Sem dúvida, o papa Francisco, que realiza uma renovação da Igreja com pulso firme para voltar às origens do cristianismo primitivo, deve ter tido um motivo grave para desistir de sua visita ao país com o maior número de católicos do mundo, onde 90% da população é cristã, e numa data tão significativa para a piedade popular. Isso não descarta a proposição de alguns interrogantes. Seria preciso saber se a decisão foi pessoal de Francisco ou da Cúria Romana, de sua diplomacia, e se nela pesaram os motivos políticos. Pelo que conhecemos do Papa, sua alma está com os mais pobres e seu coração vibra com a justiça social, o que algumas vezes lhe valeu a acusação de seu um Papa “de esquerda”. Não há dúvida de que, em suas conversas, entrevistas e documentos papais, ele cita mais os evangelhos que os textos teológicos. Dos sete Papas que conheci, este é o que melhor sintoniza com o Jesus odiado pelo poder.
Segundo informações da imprensa brasileira, Francisco teria desistido de sua promessa de vir a Aparecida porque o país atravessa “um momento político delicado”. Se for isso mesmo, teria prevalecido o interesse da diplomacia do Vaticano frente à liberdade do evangelho. Fiz muitas viagens ao redor do mundo com Paulo VI e João Paulo II, e me lembro de ter visitado países que viviam momentos políticos mil vezes mais graves que os enfrentados pelo Brasil. Aterrissamos em nações de ferrenhas ditaduras, de direita e de esquerda. O Brasil, com todas as suas dificuldades, vive num Estado democrático e luta contra a corrupção política, uma luta invejada por outros países. Quando Francisco veio ao Brasil em 2013, o momento político não era melhor que o atual. Começavam as manifestações populares, e o país estava em plena ebulição política. Francisco falou sem medo e até incentivou os jovens a participarem dos protestos contra o Governo Dilma.
O Brasil vive sem dúvida um momento delicado que afeta fiéis e ateus. A sociedade está atônita com a descoberta da corrupção político-empresarial que tem vindo à tona. E é uma sociedade dividida. Portanto, não seria talvez o melhor momento para que Francisco, o Papa mais parecido com o profeta rebelde de Nazaré, viesse a fim de confortar os brasileiros e fazer um apelo para que superem as divisões e se unam na liberdade do evangelho, para dar vida a um país mais livre, democrático e justo? Francisco é um Papa que costuma ser ouvido não apenas pelos católicos, mas também pelos agnósticos. É um Papa de todos. Aqui, no Brasil, até os evangélicos o aplaudiram. E ele tomou café com alguns pastores. O ecumenismo é o oxigênio que Francisco respira. Se foi o Vaticano que o convenceu a desistir da atual vinda ao Brasil, seria a demonstração de que, no coração do posto de mando em Roma, continua ainda forte a visão de uma Igreja mais comprometida com o poder político que com as exigências de liberdade de espírito do cristianismo primitivo.
Triste.
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